Em gestão de pessoas, não dá para sofrer de hipermetropia. O importante pode estar bem debaixo de nossos narizes: uma política bem escrita, um processo de avaliação de desempenho bem entendido e aplicado, coisas básicas… O empenho nessas atividades pode significar um impacto no negócio muito maior do que as ditas estratégicas. Ao menos, elas devem ser tratadas num primeiro momento, senão todos os demais esforços são desacreditados.

 

Este post é para confessar que já sofri de hipermetropia em gestão de pessoas e minha doença está em fase de remissão. Nem vou dizer o quanto já sofri por conta desse desvio “oftalmo-prático”, mas faço questão de compartilhar minhas conclusões até o momento.

Tudo começou quando deixei meu mestrado em Recursos Humanos com tão só 23 anos e um grande desejo de fazer a diferença nas organizações. Com um tanto de visionário e outro de ingênuo, tinha chegado à conclusão de que, uma vez que pessoas eram as que moviam as engrenagens, trabalhar com elas era o segredo para  causar o impacto que desejava.

Naquele momento – início dos anos 1990 – começava a se firmar o conceito de Recursos Humanos como parceiro estratégico. Por aí começavam a aparecer as figuras dos business partners, que no banco onde trabalhava se chamavam LPO (Line Personnel Officer). Isso combinava perfeitamente com minha visão de que uma área que mexesse com o comprometimento e o desempenho de pessoas e equipes tinha que estar no meio do business, dando seus pitacos nos planejamentos, na alocação dos recursos, enfim, em tudo o que se pensasse fazer. Do outro lado do meu continuum mental, estavam as famosas e mal afamadas atividades típicas das áreas de RH, do velho RH. Aquelas coisas transacionais e operacionais levadas por estereótipos odiosos como “a mocinha do RH” (a “menina” responsável por recrutamento e seleção, cuja maior ambição era crescer e migrar para o cargo de analista de treinamento…) , “o chefe do DP”, o “analista de cargos e salários” (geralmente com sua calculadora, planilhas e óculos quadrados).

Ou seja, o bom mesmo, aquilo que faria toda a diferença, seriam as tais atividades nobres, estratégicas, realmente importantes de estar junto com os diretores, participando de discussões “relevantes” e atuando em mudanças organizacionais críticas. O resto, seria desprezível, tocado por pessoas com menores ambições e capacidades.

Quando leio o que acabei de escrever – nada menos que o registro de meus pensamentos de há 20 anos – sinto até calafrios ao me dar conta de meu espírito elitista e míope – melhor dizendo, hipermetrope – daqueles tempos.

Acontece que, depois de tantos anos atuando como executivo e consultor em organizações em alguns países, muita coisa mudou em minhas concepções sobre o que é importante e nem tão importante em RH. Principalmente porque nem tudo é o que parece. As organizações mais “chiques”, com um RH “mais estratégico” padecem dos problemas mais básicos na gestão de pessoas. Por outro lado, empresas menos glamorosas apresentam soluções simples e eficazes, criando clima e gerando o nível de desempenho necessários. Afinal de contas, o que é realmente importante, nobre e estratégico em gestão de pessoas?

Guia completo de avaliação de desempenho

Guia sobre gestão de pessoas na empresa

Apresento, a seguir, minhas conclusões, partindo do conceito do que vem a ser uma atividade estratégica. Gosto daquela definição simples: atividade estratégica é aquela que contribui para a melhora ou manutenção da organização numa posição competitiva mais adequada.

Pois bem, no que se refere a gestão de pessoas aquilo que vai contribuir para essa posição competitiva é muito delicado, porque as pessoas são “delicadas”. A essência da gestão de pessoas é contar, de maneira consistente, com as competências, comprometimento e colaboração necessárias para o sucesso da organização. Mas, como as pessoas são delicadas, pequenas coisas podem afetar essa disponibilização de competências.

Sejamos mais concretos. Peguemos o exemplo da empresa SOFT de software. Ela deseja atuar em uma nova região. Se formos pensar nas atividades ditas “importantes” em gestão de pessoas, será estratégico ter gente preparada para entender esse mercado e começar uma operação, criar uma equipe vencedora e, quem sabe, manter sua ligação com a o escritório central. O HR Business Partner terá um papel chave apoiando a liderança na contratação de gente, organização da estrutura, integração, planejamento de sucessores, etc. Será reconhecido quando as vendas aumentarem e considerado parte do time. Bingo!

Mas esse “amor” pode durar pouco tempo. Vamos supor que a SOFT tenha alguns probleminhas… Falta um programa de remuneração variável para a equipe de vendas a fim de reconhecer todo o esforço dispendido no processo. Não existe uma política de transferência que cubra as dificuldades dos executivos que saíram de uma cidade para outra. E, completando o cenário escabroso, os sistemas de RH não possuem a flexibilidade para alterar o local de trabalho e todos os benefícios continuam sendo endereçados ao antigo escritório. Resultado? Com certeza, o trabalho de tamanho valor agregado do Business Partner seria desconsiderado, porque a ausência do básico causaria enorme desgosto em todos (imagine não chegar a carteirinha do Plano de Saúde para o Diretor Regional…).

As pessoas são “delicadas”, ou seja, cada detalhe conta muito, porque a parte afetada por uma falha não é apenas uma peça de metal, mas um ser que tem pele para sentir, voz para reclamar e influência no resultado final. É por isso que, em gestão de pessoas, não dá para ter hipermetropia, a doença ocular que prejudica a visão do que está próximo. O importante pode estar bem debaixo de nossos narizes: uma política bem escrita, um processo de avaliação de desempenho bem entendido e aplicado, coisas básicas… O empenho nessas atividades pode significar um impacto no negócio muito maior do que as ditas estratégicas. Ao menos, elas devem ser tratadas num primeiro momento, senão todos os demais esforços são desacreditados.

O movimento do RH estratégico fez com que a área passasse a ser melhor considerada. Nomenclaturas foram alteradas, posições foram elevadas – como não nos lembrar do cargo chamado CHRO – e o nível dos profissionais subiu. Acredito, no entanto, que o básico vem sendo relegado em vários casos. Muitas organizações de RH investindo em business partners, dedicando horas a discussões sobre o negócio, etc., mas se descuidando da sua “cozinha”, que são processos de gestão de pessoas bem estruturados, soluções que automatizem tais processos e gerem informações para a tomada de decisão. Sem isso, o BP não conta com a caixa de ferramentas para atender os líderes, seus clientes internos, e os cabeças da função RH não conseguem nem se posicionar quando discutem temas que lhes são pertinentes.

Não posso dizer que esteja curado da hipermetropia. Com certeza, minha tendência é focar, preferentemente, no quadro geral. Mas uma coisa aprendi:  não adianta montar uma bela mesa na sala de jantar, se a cozinha não funciona e não faz o que é essencial. Nos últimos tempos, procurei me cercar de gente que soubesse gerenciar muito bem os processos, sistemas e políticas; cuidasse de compliance; soubesse desenhar um fluxograma; estabelecer indicadores. Isso me ajudou bastante.

Que nosso esforço por não sermos míopes – profissionais que não conseguem ver o quadro completo da gestão de pessoas – não nos faça descuidar dos fundamentos de uma boa gestão de pessoas: processos, políticas, sistemas, informações. E só para recordar, os fundamentos estão escondidos, mas quando faltam, essa ausência é muito lembrada.

Essas são minhas impressões sobre o tema – pelo menos até agora. Ficaria feliz de ouvir suas ideias e experiências para que possamos evoluir juntos.

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One Response

  1. Adorei o texto. E de fato, temos duas visões pra cada modelo. Dividimos para que tenhamos grupos separados. Um pro Gerencial e outro pro operacional. O engraçado é que um não funciona sem o outro. Mas integrá-los é uma das tarefas mais difíceis. Precisamos de um treinador que tranque todo o time em uma sala e trabalhe com eles até que sejam um só.

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