Lembro-me de uma reunião marcante em minha vida com o Comitê Executivo de uma consultoria estratégica internacional. Eu era o Diretor de RH para a América Latina e as despesas da área eram distribuídas entre os 5 escritórios da região. A princípio, não me chamaram para este encontro. Ao final, acabaram por incluir-me num item da agenda chamado “Qual o Entregável de Recursos Humanos, afinal?”. Creio que nunca engasguei tanto numa apresentação como naquela. Eu pensava: “Isto é surreal: é sério que tenho que justificar a existência de RH numa empresa baseada em capital humano, para estas pessoas que vendem seus conselhos sobre organização e resultados a bom preço?”. Era como explicar a um aviador a importância de asas! Por fim, parece que não se convenceram. Meses depois acabaram com a função. Creio que se viram muito capazes de levar o trabalho por si mesmos.
Todos os líderes de RH já vivenciamos situações como essa de sentir-se fora de lugar e devendo constantemente. A reação típica de muitos de nós é uma autocobrança excessiva, sentir a necessidade de provar nosso valor na organização, buscar ansiosamente a validação de nossos superiores e pares, a qualquer custo. Naturalmente, tudo isso tem um custo, resultando em um desgaste considerável, tanto mental quanto físico, que também prejudica o ambiente de trabalho e a percepção dos colegas sobre o RH.
Talvez o seu momento não seja tão dramático como descrevemos, ou mesmo você se sinta uma pessoa autoconfiante e segura de sua contribuição. No entanto, alguma vez já deve ter passado por sua cabeça o sentimento de gato/a borralheiro/a. E, com isso, pode ser que algumas fixações típicas de profissionais de Recursos Humanos tenham se alojado sorrateiramente em seu espírito, gerando pressões inconscientes desejadas e indesejadas, ao mesmo tempo. São fixações como a necessidade de sempre estar atualizado, ou mostrar que somos eficientes, ou que somos exemplos vivos da cultura, ou ser bem avaliados… Uau! Será que outras áreas sofrem o mesmo tipo de pressão sobre sua conduta pessoal?
Eu preferi chamar tais fixações de NEURAS, um substantivo mais provocativo e fiel ao que se passa em nosso interior: nos atingem os nervos, como dizia a minha mãe!
Um olhar destemido às nossas queridas Neuras
Não é verdade que neuras podem ser queridas e odiadas – ao mesmo tempo?! A neura de estar sempre atualizado, por exemplo: ouvi-la nos dá um alívio enorme, porque nos sentimos seguros, diferenciados de quem se estanca, com as melhores ferramentas à disposição. Mas também nos proporciona um estresse sem medida, porque é impossível estar realmente ao par de tudo o tempo todo. “Quem consegue, com tantas demandas e tantos artigos, links, cursos, etc.?”.
Se a neura é boa e ruim, creio que é momento de ficar somente com os benefícios: pressões externas já sofremos o suficiente com a experiência de extremos nas organizações e no mundo do trabalho – novos modelos, múltiplas gerações, várias inteligências, flexibilizações… As demandas crescem, os recursos diminuem, o ambiente empresarial se torna volátil, fluido. Ao reconhecer e ajustar comportamentos, podemos melhorar nossa eficácia pessoal, o impacto organizacional e, para mim, o mais importante, nossa saúde física e mental.
Aqui um parágrafo especial às pressões que só as executivas sofrem. Sou homem e não consigo falar sobre essas neuras específicas, mas saibam que tenho consciência de que as mulheres passam por todo um arsenal de tensões adicionais. Por isso, convido as colegas a somarem suas experiências num artigo específico, talvez chamado “Sobrevivendo ao RH – como mulher”.
Dando nome aos bois
Enfim, na minha opinião, os líderes de RH têm ao menos uma das seguintes neuras, que devem ser reconhecidas e ter suas energias devidamente endereçadas para a construção de uma carreira bem estruturada.
Neura 1: Necessito falar a linguagem do negócio e ter impacto estratégico!
“Oras, isso é fundamental se RH quer ser respeitado nesta empresa!”
O primeiro choque de realidade de um novo executivo de RH é que, durante a reunião de diretoria, você tem que justificar aquilo que era considerado óbvio em suas discussões intradepartamentais. Vale a pena investir numa solução para gestão de talentos, ou no desenvolvimento da liderança intermediária, ou num processo de comunicação bem organizado?
Se por um lado, isso nos ensina a ser mais exigentes com relação à coerência estratégica de nossas iniciativas, por outro lado, esse esforço não pode nos subtrair a intuição certeira de alguém mais sensível ao fenômeno humano. Não é porque não aumenta o EBITDA diretamente que a ação não é importante. Talvez tenhamos que fazer um trabalho adicional de mostrar a cadeia de eventos que uma iniciativa em RH gera para assegurar resultados superiores de forma sustentável no bottom line. E, naturalmente, não devemos esquecer que somos bons em “gente”: uma boa história (humana) sempre ajuda – mostrar o efeito de alguma iniciativa num grupo concreto, conectando, a partir daí, com resultados tangíveis para o negócio é um bom caminho para sensibilizar.
Neura 2: Preciso ser eficiente!
“Afinal de contas, RH sempre vai ser visto como despesa!”
Talvez o segundo choque de realidade seja ver todo o tema “RH” classificado no capítulo Backoffice no orçamento e em outras discussões. E como Backoffice, dar-se conta de que também somos “custo”. Mesmo as ações estratégicas em pessoas? Sim! É reflexo dessa má experiência tentar causar o mínimo de “incômodo”, levando as despesas ao nível mais baixo possível.
É verdade que, por muitos anos, RH deixou-se levar por sua vocação intangível para, simplesmente, não se dar ao trabalho de pensar em números, de qualquer espécie. Ainda hoje é comum separar o RH soft do RH hard, este último, mais ligado a dimensões tangíveis. O outro extremo, ao que leva a neura, é simplesmente ser o melhor amigo do CFO. Por definição, RH e CFO estão em universos distintos. Mas isso não significa que RH não possa “gerenciar”, para o bem comum, essa relação: ser bastante proficiente em métricas; ter consciência aguda sobre despesas; ser muito cuidadoso com cada centavo. E tudo isso para mover sua agenda para adiante. Aumentos de despesas (investimentos) em temas de gente podem trazer eficiência, redução de turnover, menos gastos com contratações. A crença na própria contribuição, fundamentos sólidos em negócios e RH e uma equipe multidisciplinar ajudam bastante!