Uma provocação ao Comitê Executivo: Cada Organização tem o RH que Merece

Se uma área de Recursos Humanos não contribui, a culpa pode ser a falta de informação, formação e sensibilidade do Comitê Executivo para os temas de gestão de pessoas. Informação e formação são facilmente solucionáveis. A sensibilidade, bom… isso demanda um tanto mais de esforço.

No início dos anos 2000, a maior empresa de distribuição de energia do Brasil, recém-privatizada, tomou uma decisão radical: extinguiu seu departamento de Recursos Humanos, que havia sido criado pouco mais de dois anos antes e onde eu trabalhava. Com cerca de 7.000 empregados e em meio a um processo de transformação cultural, transferiu todas as funções de RH para os administrativos das regionais. O resultado foi desastroso: falta de padrão na gestão, retorno do nepotismo e problemas na prestação de serviços. Apenas duas semanas após demitir o Gerente de Relações Trabalhistas, a empresa teve que recontratá-lo. Dois anos depois, foi forçada a reconstruir sua equipe de RH. Essa história foi reveladora para mim…

Más experiências como essa levaram a mim, jovem executivo de RH, frustrado com o que me parecia falta de visão e sensibilidade da alta liderança, a usar a frase do título do artigo. Tantos projetos fracassados, bons profissionais perdidos, inúmeras decisões equivocadas… Mas tudo isso se confirmou racionalmente, ao longo da carreira, ao observar o impacto direto de péssimas ou ótimas decisões sobre pessoas nos resultados de empresas familiares, multinacionais, de fundos de Private Equity, entidades do terceiro setor, etc., pelas quais passei.

Vamos entender a provocação: ela é adaptada da famosa frase “Cada povo tem o governo que merece” de um conde italiano chamado Joseph de Maistre, do século XIX. Se ela é questionável no contexto social, ela pode ser claramente adaptada a um contexto organizacional, onde os atores têm maior impacto e autonomia.

De fato, a frase “Cada organização tem o RH que merece” é bem justa (até na sugestão de merecer prêmio ou castigo): a qualidade da gestão de RH espelha diretamente a maturidade da liderança da organização e impactará o resultado de forma a refletir tal maturidade. Se o Comitê Executivo não buscar fluência em temas de gestão de pessoas, não se dará conta do que falta ou do que sobra em sua organização: o famoso não saber o que não se sabe.

Como solucionar esse problema? É exatamente isso que queremos discutir: por que muitas organizações acabam com um RH que reflete sua própria miopia e falta de visão estratégica? Quais são os erros comuns de julgamento dos líderes e como eles podem ser ajustados para transformar a gestão de pessoas em uma força poderosa para o sucesso organizacional?

Erros Comuns de Julgamento e Ajustes Necessários

Muitos líderes cometem erros comuns ao lidar com a gestão de pessoas:

  1. Não entendem o fenômeno humano: Projetam seus comportamentos e cobram que os demais atuem da mesma maneira; ou então idealizam ou demonizam; enfim, não se conhecem e tão pouco conhecem o outro.
    • A falta de entendimento do fenômeno humano começa pelo baixo grau de autoconhecimento. Não entender as próprias fortalezas e limitações, motivações e receios limita a capacidade de empatia e de abertura ao que acontece com os demais. Vários estudos, como o feito por Toegel e Barsoux, mostram que líderes com alto nível de autoconhecimento gerenciam equipes diversas com mais eficácia, promovendo um ambiente de trabalho inovador e produtivo.
  2. Subestimam o desafio: Não é tão complicado.
    • A realidade é que a gestão de talentos é complexa e exige um profundo entendimento das dinâmicas organizacionais e humanas. A Deloitte, em seu estudo “Global Human Capital Trends 2016”, revelou que 82% dos líderes acreditam que a gestão de pessoas é importante ou muito importante, mas apenas 38% se sentem preparados para enfrentá-la. Isso mostra que subestimar esse desafio resulta em alta rotatividade, baixa satisfação dos funcionários e, consequentemente, queda no desempenho organizacional.
  3. Acham que sabem bastante: Podemos resolver entre nós.
    • Líderes que acreditam saber tudo e buscam resolver os problemas de RH sem especialistas frequentemente adotam soluções superficiais e ineficazes. Uma pesquisa da Deloitte de 2016 revela que empresas que integram especialistas em RH nas decisões estratégicas têm melhores resultados em retenção de talentos e desempenho organizacional.
  4. Simplificação excessiva: Consideram que todas as ações e investimentos devem ter impacto direto ou no top ou no bottom line.
    • Focar apenas em resultados financeiros imediatos é uma visão míope. Estudos, como o de Groysberg, Lee, Price e Cheng, demonstram que investimentos em desenvolvimento de liderança e cultura organizacional, embora não mostrem resultados imediatos, oferecem retornos significativos a longo prazo no desempenho da empresa.
  5. Deixam nas mãos de pessoas despreparadas: A coisa é simples.
    • A falta de formação adequada resulta em práticas inconsistentes e prejudiciais. A formação contínua e o desenvolvimento de habilidades específicas em gestão de RH são cruciais para garantir a eficácia das práticas organizacionais. O artigo “Why HR Needs to Stop Passing the Buck on Talent Development” de Ron Ashkenas e Suzanne Heywood ressalta a importância de ter profissionais de RH bem preparados para lidar com os desafios complexos da gestão de talentos.
  6. Não se envolvem: Tenho coisas mais importantes para fazer.
    • A falta de envolvimento direto dos líderes nos processos de gestão de pessoas cria uma desconexão entre a alta direção e os colaboradores. Estudos indicam que líderes que se envolvem ativamente nas iniciativas de RH, participando de programas de desenvolvimento e mantendo uma comunicação constante com suas equipes, conseguem criar um ambiente de trabalho mais coeso e motivador. Uma boa referência é o estudo “Connect, Then Lead” de Amy J.C. Cuddy, Matthew Kohut, e John Neffinger.

O que fazer agora?

É possível corrigir isso? Sem dúvida. Como? Fazendo o oposto do que foi descrito nos erros comuns. Certamente, o item 1 é o mais difícil, pois deve ser trabalhado em nível individual. Desenvolver a sensibilidade humana (que não significa ter coração mole, mas apenas conectar-se com as pessoas) demanda ser humano. Um trabalho indelegável.

Ao ajustar suas abordagens e valorizar verdadeiramente o capital humano, qualquer organização pode alcançar um futuro promissor. Líderes visionários e comprometidos são a chave para essa transformação, garantindo que o RH não apenas reflita a alma da empresa, mas também impulsione seu crescimento e inovação.

Referências:

  1. Toegel, G., & Barsoux, J.-L. (2016). How to Become a Better Leader. Harvard Business Review.
  2. Goler, L., Gale, J., Harrington, B., & Grant, A. (2016). Why People Quit Their Jobs. Harvard Business Review.
  3. Deloitte. (2016). Global Human Capital Trends 2016. Deloitte University Press.
  4. Groysberg, B., Lee, J., Price, J., & Cheng, J. Y.-J. (2018). The Leader’s Guide to Corporate Culture. Harvard Business Review.
  5. Ashkenas, R., & Heywood, S. (2016). Why HR Needs to Stop Passing the Buck on Talent Development. Harvard Business Review.
  6. Cuddy, A. J. C., Kohut, M., & Neffinger, J. (2013). Connect, Then Lead. Harvard Business Review.

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