O ciclo de desempenho inclui definir metas, medi-las e recompensar pessoas de forma justa, certo? Errado, ao menos para algumas organizações que estão ousando.
Que tal um processo de gestão de desempenho em que NÃO existam: metas, calibrações e (oh heresia máxima!) ratings de desempenho?
E se esse mesmo processo alcançasse os objetivos de reconhecer os bons, servir de base para decisões sobre talentos e desempenho. Ser mais justo que os processos tradicionais e, por fim, poupar boa parte das 2 milhões de horas gastas por uma organização?
Pois se isso parece utopia, dê uma lida no artigo da Harvard Business Review de Marcus Buckingham e Ashley Goodall intitulado Reinventing the Performance Management (Reinventando a Gestão de Desempenho), que saiu na edição de abril de 2015 e está disponível neste link para aqueles que não tenham lido ainda sua quota de 5 artigos grátis (se você é assinante, então, obviamente, não há problema).
Buckingham e Goodall relatam a jornada para transformar um processo custoso e extremamente impopular numa ferramenta muito efetiva para motivar, gerenciar e cuidar dos talentos da empresa. Aliás, uma daquelas em que capital humano é o x da questão: a gigante de Auditoria e Consultoria Deloitte.
Resumo
Tudo começou quando se deram conta que gastavam 2 milhões de horas em todo o processo de gestão de desempenho. E o pior de tudo, gastavam mal: muito tempo dos líderes em alinhar ratings e pouco em melhorar desempenho. Para remodelar o processo, foram nos fundamentos: o que é essencial, para que isso tudo serve? Bem, eles chegaram à conclusão de que o que lhes importava era poderem reconhecer as pessoas, medir e, principalmente, potencializar sua performance.
Estudos
Tendo isso claro, fizeram algo muito pouco comum. Ao menos no meio da gestão de pessoas: começaram a estudar e analisar o processo com base em dados e fatos. Buscaram estudos fora e os fizeram dentro da empresa. Primeiro problema a resolver: medição – como medir de forma prática e objetiva os aspectos quantitativos e qualitativos dos avaliados? Um estudo consultado apontava que as avaliações de chefes, pares e subordinados dependiam mais do estilo desses avaliadores do que dos avaliados (em xeque as avaliações 360 e os famigerados ratings).
Outro estudo apontava o caminho para solucionar esse problema: evitar fazer perguntas aos líderes sobre terceiros (os avaliados) e se focar naquilo em que eles têm mais certeza – seus sentimentos. Na prática: evitar “O avaliado tem pensamento estratégico?” e adotar algo como “Você daria um aumento para ele?”.
Mas que tipo de processo usariam na Deloitte? Um estudo, desta vez interno, comparando a motivação dos profissionais de alto e de baixo desempenhos descobriu que a possibilidade de usar suas fortalezas era o que os levava a entregar mais resultados. Mais claro que isso era impossível: o processo de gestão de desempenho que procurasse realmente melhorar o desempenho deveria promover o uso de tais pontos fortes.
Mãos à obra!
Com base nessas “descobertas” criaram um novo, ousado, herético e mais simples processo. Cada gestor responde a perguntas que se resumem a “Eu daria o maior aumento e bônus que eu pudesse a esse profissional?” (para conferir desempenho) e a outra, mais relacionada a perfil “Eu gostaria de contar sempre com essa pessoa no meu time?”.
A plotagem das notas nessas 2 perguntas resulta numa espécie de 9 box simplificado. OK, com isso resolviam o tema medir e reconhecer, pois passaram a utilizar o tal “9 box” como base para as decisões anuais de remuneração. Mas, e o tema “explorar os pontos fortes”?
Mais consultas a pesquisas e descobriram que os gestores que obtém mais de suas equipes são aqueles que falam com mais frequência com seus liderados sobre as próximas missões a cumprir. Tal disciplina, unida a ferramentas tecnológicas para registro dessas discussões e observações – e uma interessante “rede social” em que as pessoas possam compartilhar suas realizações – podem, na visão dos autores, potencializar o uso das fortalezas e promover melhor desempenho. Rituais de gestão de desempenho que implicam em discussões anuais sobre remuneração, trimestrais sobre projetos e habituais sobre desempenho.
O que fica para resolver é a transparência dos resultados das avaliações: por enquanto não são públicos, mas estudam uma maneira de torná-los acessíveis aos interessados. Mas acompanhados de dados de outras dimensões: afinal de contas, uma visão bidimensional (perfil e desempenho) é ainda restrita num mundo big data.
Independentemente de acreditar ou não no que eles escreveram ou até mesmo pensar que a solução seja uma panaceia, o artigo vale a leitura por alguns motivos:
Primeiro lugar
Só o fato de apresentarem uma forma diferente de abordar um dos mais antigos dilemas de gestão de pessoas já é um pouco de oxigênio no ambiente rarefeito das discussões – sempre ajuda a questionar nossas crenças os princípios geralmente aceitos.
Segundo lugar
Porque o processo que utilizaram para reinventar todo o esquema é muito sólido. O rigor técnico usado rivaliza com quaisquer abordagens usadas em análise de mercado ou processos técnico-operacionais, o que não deixa de ser novidade em nosso meio e uma provocação aos nossos métodos.
Terceiro, e último
Vale a pena lê-lo também pela proposta em si. Em poucas palavras, eles defendem o fim do tempo gasto (com preenchimento, processamento dos dados, análises, relatórios, etc.) e certa hipocrisia no uso das avaliações 360 (já que não são objetivas mesmo). Assim como o fim dos inúmeros comitês de calibração (ainda que eles tenham comitês para discutir o tal novo 9box e a remuneração). A disciplina do feedback semanal, no entanto, passa a ser chave para o êxito do processo todo. Já que a promoção do desempenho (o fuel performance ou “dar um gás no desempenho” em português claro), é o principal objetivo de tudo isso.
Por mais que não nos sintamos capazes de realizar uma análise tão profunda ou mesmo propor a quebra de paradigmas em nossas organizações. Um artigo como esse tende a confirmar algumas de nossas mais antigas convicções: gestão de desempenho é um processo! Por isso, conversas contínuas sobre o trabalho são fundamentais! Também nos ajuda a lembrar de algo que está em nosso subconsciente: se as principais missões da gestão de pessoas são assegurar as competências, o engajamento e o desempenho das pessoas, um processo de gestão de performance não poderia se resumir a preencher formulários, mas sim focar em melhorar os resultados entregues pelos profissionais.
Para terminar, lembrar que cada organização é diferente e está em estágios distintos de amadurecimento na gestão. A melhor solução vai realmente depender daquela mágica combinação entre a leitura dos sinais dos tempos e a aplicação dos princípios da gestão de pessoas. Boa sorte!